
E SE EU TAMBÉM MORRER?
A atmosfera criada no mundo pela presença da Pandemia, tem nos encaminhado a visitar o território da morte e seus desdobramentos com frequência. E se eu também morrer? Eis a pergunta que parece não calar, quando a incerteza do amanhã se apresenta. Mas no que consiste realmente não poder contar com o amanhã? A impossibilidade de planejar, projetar, controlar, mesmo que ilusoriamente, os eventos da vida? Ou de estarmos tão próximos da morte, da desconhecida que nos arrebata da vida sem pedir licença, e nos implica em um processo cuja solidão impera? As costumeiras distrações, as desconexões habituais, a busca frenética por preenchimento, perdem suas respectivas funções no território da morte. Sim, é uma realidade, contamos apenas com o instante! Se temos um lastro que nos ampara, é o efêmero que o constitui. O NADA é a nossa garantia! O desatino, o tédio, o desespero nada poderão fazer diante desta condição. Talvez a melhor alternativa seja a revisão urgente do castelo de ilusão criado, na tentativa de encobrir nossa inabilidade em lidar com a fragilidade e a fugacidade da vida no corpo, e do quão veloz a vida se apresenta para cada um de nós. Extrair da cartola do instante, a confiança, a alegria, o prazer, parece o desafio do momento!
Na ilusão da vida eterna do corpo, criamos uma complexa rede de máximas e justificativas, que nos tornam reféns de ações, olhares e escutas apartadas do simples, do essencial, das raízes que fincam os pés no agora, e enaltecem os instantes de cada experiência. Será que ainda teimamos em creditar ao “futuro” nossa salvação?
Morte é morte, máxima que se inscreve, cuja descontinuidade do tempo, o ponto final, o silêncio, o vazio, a ausência do corpo imperam. Se pudermos enxergar através do seu olhar, acessaremos uma visão que não separa, que não distingue raça, cor da pele, status social, cultura, conta bancária, … O repertório das identificações que compõe a realidade individual, não é a base do seu funcionamento. Em sua perspectiva somos todos iguais. Infelizmente o olhar da morte em nós ainda é cego, traz com ele confusão e desorientação, já que borra o script que compusemos para sobreviver frente ao medo da nossa finitude. A morte insulta nossa ilusão de soberania, controle, auto importância, denuncia a fragilidade do corpo, descola o tempo das horas, dos dias, das semanas, dos meses, dos anos! Sua presença transforma o que coletamos em nada, consome os encobrimentos, derrete o “eu” e o “outro”, e insiste em nos encaminhar à reflexão do que estamos a fazer, e como estamos a viver a vida.
O pavor do confronto nos ronda, preferimos ignorar qualquer reflexão que nos encaminhe para dentro e nos revele o quão promiscuamente estamos a viver. O alheamento, a desconsideração, a insensibilidade, a crueldade, a subjugação, são algumas das realidades que adquiriram vida própria e passaram a determinar ações consentidas, através de um código silencioso, entre os seres humanos. Mas, eis que de repente, o COVID 19 nos bate à porta, e, sem alternativas, somos testemunhas da diminuição da distância entre o hoje e o amanhã pela via da morte. Estamos a navegar na barca das desconhecidas águas do oceano das incertezas! E agora o que fazer?
Se o temor da morte nos gera um transbordar de emoções, por que não buscar uma relação mais íntima com o que nos aproxima do essencial do instante? Pergunto-me o que ainda obstruiu nossa relação com uma vida permeada por gratificações, mais plenitude, alegria, prazer, beleza, delicadeza, ternura, compaixão, parceria, respeito, partilha, …
E se hoje for o meu dia de morrer, reflito sobre o que não tive coragem de semear e, consequentemente, de receber.
E se hoje for também o seu dia de morrer, o que você não poderá mais manter calado e/ou escondido sobre você?
Alexandrina Passos Jordão.


Somos todos um?

E se eu também morrer?

Os incansáveis guerreiros
