
O INVISÍVEL PODER DO PEQUENO
Mas será mesmo necessária tamanha ameaça? Será que precisamos continuar alimentando a máxima: aqui se faz, aqui se paga? Ou será que já é tempo de ressignificar a imagem introjetada da severidade do criador, e com maturidade rever nossas escolhas e ações? O que continua a nos instigar viver sob o fio de uma navalha, a desafiar o que nos foi dado – a vida?
Os recentes acontecimentos informam ser este um momento delicado para a humanidade. Os instantes estão acompanhados pelas incertezas, pelo inesperado, pelo desconhecido capaz de adentrar nossas casas/corpos sem pedir licença. Não há programações a seguir, ou um crivo que nos auxilie a compreender a linguagem utilizada pelo COVID 19 até este momento. Parecemos viver dentro de um filme de ficção, cujo final nada sabemos. Desejamos despertar do pesadelo que nos assola não apenas durante à noite, mas à luz do dia.
Capturo no ar o nível das apreensões, a densidade causada pelo medo, pelo pavor da morte. Parecemos estar diante de um ataque inescapável: não temos para onde correr, não podemos nos fingir de mortos, não podemos lutar corpo a corpo com o agressor, pois a ele falta corpo! Seu ataque silencioso utiliza estratégias que pouco conhecemos. Estamos diante do imponderável poder do invisível!
O que ele nos pede? O que ele denuncia sobre nós humanidade? O que em sua presença se torna inevitável? Para o que ele nos pede que despertemos?
Resistimos ao que não controlamos, ao desconhecido, ao que nos pede abertura, expansão, a sair do local que erguemos nosso forte. Preferimos permanecer nos apertados buracos da insensatez, nas ilhas edificadas da ignorância, na coisificação das relações, no empobrecimento do olhar, na aridez das ações, na dureza do pensar cristalizado, nas muralhas erguidas entre nós e o outro; do que baixar as armas e repensar a base que sustenta os códigos das relações com a vida e com suas expressões: o outro, a natureza, o mundo. Parecemos caminhar esquecidos do sentido de estarmos no Planeta Terra.
O que aconteceu conosco? No que nos tornamos? Homens sem destino, que caminham ao largo da sua própria história? O bombardeio das informações sobre a presença do imponderável poder do invisível – COVID 19, não nos permite esquecer, nem por um segundo, o que nos assola. Será que o COVID 19 foi a única maneira encontrada pelo INVISÍVEL para nos chamar à atenção sobre sua presença?
O corpo tem sido um território de especial atenção neste momento. Não pela preocupação com a sua forma ou imagem, mas pelo reconhecimento da sua vulnerabilidade e fragilidade diante do INVISÍVEL PODER DO PEQUENO, o COVID 19. Ele tem denunciado o rastro da presença deste vírus em suas terras! Sorrateiro em sua chegada, o vírus se utiliza do disfarce de uma simples gripe quando no corpo inicia sua jornada. Adentra-o através da mucosa do nariz, dos olhos, da boca, navega pelo trato respiratório até chegar inicialmente nos pulmões, onde encontra as condições ideais para se multiplicar e iniciar suas mutações. O corpo passa a ser seu hospedeiro, e o vírus como hóspede, o percorre como dono, a estabelecer sua própria ordem.
Um pulmão adoecido não será capaz de realizar eficazmente a troca do dióxido de carbono em oxigênio, ou de manter facilmente o equilíbrio ácido-base no corpo, ou de produzir sons pelo movimento do ar nas cordas vocais, ou de ser efetivo no processo da defesa pulmonar. Como um fole, os pulmões contraem e expandem continuamente, expressando sua dança, reflexo da sua íntima relação com o Sopro. A união do Sopro e do sangue nos pulmões é a fonte do nosso calor, amor e visão. Privado do Sopro o corpo entrará em falência e sua carne facilmente deteriorará. A presença de qualquer ameaça no território dos pulmões, interferirá diretamente no ritmo, no compasso da sua dança, garantia da soberania da vida sobre a morte.
Talvez tudo isso que estamos a viver neste momento, nos convide a valorizar o que disponível se encontra para todos nós – o simples ato de respirar, assim como a retomada da respiração que conduza a humanidade a elevar a consciência além das muralhas erigidas pelo medo, pela inconsciência, pelo esquecimento que somos um pequeno grão de mostarda dentro da vastidão que a vida tenta nos mostrar a todo instante. Afinal o ato de respirar e a nossa postura diante da vida caminham juntos.
Contudo, parecemos ignorar que há mundos, realidades, dimensões que os sentidos não conseguem nem conceber nem abarcar. Que a presença do INVISÍVEL é inegável, inquestionável, e não passível de violação! Continuar na estrada da negação desta realidade, é o mesmo que resistir respirar, resistir conceber que somos animados por algo que desconhecemos completamente, o INVISÍVEL que circula em nós e através de nós, na eterna espera que deixemos as amarras opressoras do mecanicismo e da esterilidade que constituem a base das relações conosco e com o que extrapola nosso território pessoal.
Continuaremos insistindo nesta direção até que precisemos de um respirador? Será que já não é tempo de nos voltarmos naturalmente para dentro, ao invés de sermos forçados a fazê-lo pelo julgo da ameaça à vida?
Até quando negaremos que somos também o vírus que mata, que aniquila, que nega, que destrói, que dilacera a vida com as próprias mãos através das ações ou ausência delas?
Até quando?
Alexandrina Passos Jordão


Somos todos um?

E se eu também morrer?

Os incansáveis guerreiros
