AMOR
Acredito que neste momento já estejamos cientes dos efeitos sobre nós do toque de recolher, da solidão, mesmo quando acompanhados estamos, do distanciamento social, do excesso de limpeza que nos retira cada gota de umidade necessária aos corpos quando próximos se encontram. Ops! Esqueci que o momento não requer a aproximação dos corpos!
Fui despertada por estas linhas quando o sol ainda tímido buscava romper no horizonte o silêncio da noite. A reflexão se misturava com a tentativa de recobrar a presença no processo do despertar. Fiquei a refletir sobre o momento ímpar que nós, humanidade, atravessamos.
O que nos escapa e/ou falta?
Estamos diante do “cheque mate” do jogo de xadrez da vida. As Torres, os Peões, os Bispos, os Cavalos, os Reis, as Rainhas caíram! As casas que compõem o tabuleiro estão vazias, despovoadas dos seus sentidos e estratégias! O jogo finalizou! Não há ganhador, apenas perdedores! Quando as mãos estão vazias, sem espaço para encenar as costumeiras jogadas, o que se torna inevitável encarar? Talvez do quanto estamos exilados do amor! Do quanto desconhecemos do seu fluxo, da sua linguagem, olhar, dos seus pedidos, da sua visão de mundo. Que sua privação é nociva, corrói a Alma, apodrece a carne, escurece a visão, pesa o coração, desfigura o sentido de existirmos. Que o dinheiro não o compra, a roupa não o veste, o alimento físico não o nutre, as derradeiras estratégias de sobrevivência não preenchem a sua falta. Como humanidade parecemos ter caído na armadilha criada pela relação exilada conosco e com o outro. Não precisamos ir longe para constatarmos isso. Viramos experts nos cuidados diários que o estado de sítio – Pandemia, nos impõe: distanciamento social, face coberta por máscara, o mundo e o outro como ameaças – excesso de álcool a 70% e produtos a base de cloro, luvas, … Mas o que estas medidas de “preservação” da vida revelam sobre o homem e sua relação com ele mesmo e com o ato do viver?
Constato que ainda parecemos lidar com a vida como se ela fosse a extensão do nosso quarto de brinquedos. Insistimos na busca de prazeres imediatos, inconsequentes crianças deslocadas no tempo, inconscientes de que o bastante não se reduz à superfície dos fatos, à casca de uma aparência, ao embrulho do que nos é apresentado, goela à baixo, pelos oportunistas nos momentos de crises e dificuldades.
Diante do que experimento do mundo neste momento, acredito que poucos desejam saber sobre o amor. Talvez para muitos esta esfera seja uma condenação, destinada aos poetas e aos “desocupados”. Que estupidez!
Contudo, nos resta confiar que ao longo do caminho nos esbarraremos, como se fosse ao acaso, com alguns que dedicam seu tempo a pensar sobre o tema amor, que o desejam, ou que já experimentaram sua presença. Segundo seus relatos, na visitação do amor as palavras não têm espaço que garantam seu pouso, e abarquem sua imensidão. Não há como ser tocado por ele e permanecer o mesmo dentro de si mesmo. Para seguir ao seu encontro é preciso que aceitemos o seu misterioso convite, e estejamos disponíveis para decifrar seu enigma através das cores, dos sabores, das experiências emanadas por ele.
Como humanidade estamos diante de um impasse: resistir ao chamado do amor é o mesmo que condenar o amanhã a ser o reflexo fiel do passado; é impedir o encontro, mais uma vez, com os caros indivíduos que nos permitiram ter o vislumbre da sua força e poder; é condenar a humanidade a seguir separada dela mesma.
Precisamos daqueles que já experimentaram os instantes de liberdade, entendimento, clareza, assim como a descontinuidade do tempo, através da presença do amor. Talvez este seja o acalento e o impulso a ser preservado, diante dos desafios lançados pelos dragões das dificuldades atuais. Nossa única saída parece ser o prosseguir, o persistir, o romper as peles que obscurecem a cena que neste momento assistimos. Por isso, peço-lhe que não desista de continuar a percorrer seus labirintos, de ansiar alcançar o que há do outro lado das suas interrogações, de confiar que apesar da dor há a alegria, …
Como ainda acredito em nós como humanidade, deixo aqui inscrito meu desejo de em breve reencontrar os caros amigos, entes queridos que deixaram e deixam em mim rastros do sabor, da força, do aconchego, do poder deste misterioso ser chamado AMOR.
Alexandrina Passos Jordão.